Em casa dos avós, lembra-me a minha infância, corria sem moderação. Empoleirava-me nas árvores com a certeza que chegaria ao céu. Aleijava-me com a segurança que a vovó sempre estaria lá para cuidar da ferida. Não havia amparos. Havia quedas na poça e bicicletas com rodas furadas e às vezes terra nos dentes. Haviam os cães que acompanhavam nos trilhos e os 46 animais de estimação (sim, eu contava-os e sabia os nomes de todos). Havia sempre espaço para mais um gato abandonado e uma galinha poedeira. Havia sempre lanches nas copas frondosas e ninguém estranhava que eu passasse horas em cima dos ramos. Muito menos alguém me mandava descer. Haviam clubes para angariar dinheiro para se tratar dos animais abandonados geridos por crianças e ninguém sabia o que era produzir lixo nos piqueniques. As frutas comiam-se directamente da origem pq tóxicos eram uma realidade distante. O bisavô puxava o fio que fazia tocar um sino na cerejeira para que os pássaros deixassem alguma fruta para nós, mas nunca me falaram mal dos pássaros que “roubavam” mas sim, para gerirmos as produções para que desse para todos. E esses todos incluíam os vizinhos com quem se faziam trocas. A bisavó, tirava o fio ao feijão verde, e triturava a couve para o caldo verde. O avó tratava da lenha para o inverno apenas com as podas. Não se abatiam árvores em vão. Isso nem nos ocorria. Chegava cheia de terra a casa, mas nunca me sentia suja. A terra era tida como viva e não como sujeira. Raramente tinha uma roupa que não estivesse furada por uma qq brincadeira e nunca ninguém me fazia notar isso. Mas notavam se eu estava triste pois havia sempre tempo para se dar colo. Nunca precisei de brinquemos nem actividades para me “estimular” pq a natureza sempre foi a minha melhor televisão e canal de entretenimento. Nunca me disseram que era hiperativa pois no limite estava sempre ocupada com os meus amigos reais e imaginários dentro e fora de casa. No meu mundo as vacas eram roxas e a mãe não se importava com isso. Às vezes o sol era quadrado e nascia as 7da tarde pq eu queria “acordar” nas tendas que montava debaixo da mesa e ninguém se incomodava com a confusão instalada para jantar. Os tempos eram outros e não se pode comparar e todos damos o nosso melhor para viver “na cidade” com bem-estar. Mas podemos relembrar-nos da nossa infância e permitir que as nossas crianças tenham referências de contacto marcantes para que quando se tornem adultas, ajam com a Natureza com o mesmo respeito e admiração que se aje com os nossos avós. Só assim teremos a certeza que habitaremos num ecossistema compreendido, respeitado, amado e com futuro limpo para a humanidade. 🌱
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