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#day351 – Into the heart (2)

Acordei com o som do mar. Sem fazer a menor ideia de onde estava. O sono profundo tem destas coisas. De nos fazer desligar do mundo. A cama quente. A luz a entrar e eu a resistir a acordar. O cansaço pesa. E eu vim para descansar. Demorei-me mais uma hora ou duas na mezzanine. Deixei-me perder noção do tempo. A cabeça sempre inventa coisas para fazer. Lugares para visitar. Mas eu permiti-me a apenas estar. A aproveitar. Dos maiores luxos de hoje em dia é ter tempo para fazer nada. E nada como um pod destes para me deixar estar.

Demorei-me pelos detalhes, apreciei a arquitectura e engenho da estrutura em que estava. E preparei-me para sair. Gosto muito de andar sem destino. Gosto de deixar que o coração me leve. As ruas estreitas. Os carros apressados. As casas com espaço. As pessoas capazes.

Procurava um café. “É já alia à frente” diziam-me e quanto mais andava menos encontrava. Curioso conceito de proximidade aqui 🙂 mas há aqui tempo, para se chegar com calma a todos os lugares. Fui dar a uma vila com um café cheio de janelões. Sentei-me para estar. Olhar para dentro. É difícil explicar este percurso interno que se faz quando o permitimos. Quando não nos obrigamos a fazer nada. Parece que há um alívio latente. Um pulsar diferente que nos leva para uma paz. Que precisa de ser mais constante. Nas nossas vidas. Senti o sol no rosto por entre os vidros. E a paz era tanta que me deixei ficar a escrever. A observar. A contemplar-me dentro. É preciso ter disciplina para descansar. Literalmente desligar. Encontrar esse botão que faz OFF. E eu facilmente chego lá. Treinei anos a fio. Obrigando-me a deixar as obrigações de lado e deixar-me a apenas ser. Os resultados já se estão a constatar.

Senti-me pronta e segui. Para um supermercado ali ao lado. Estou em semi-jejum. Como muito pouco estes dias. O corpo precisa de se regenerar. Se o tivermos constantemente a entupir de quantidades desnecessárias de alimento, não lhe damos margem para regenerar. E sem regeneração interna é impossível renovar células e ambiente interno. Comprei fruta. Tostas de arroz. Batata doce e ovos. Compota de amora e Muesli com frutos secos para complementar. Não preciso de mais nos próximos dias para me alimentar. Teria feito sumos verdes ou jejum completo se não fossem as caminhadas a porta. Mas pronto. pelo menos reduzir quantidades, era o que estava a precisar. E faço porque o corpo me pede. O mais importante é saber ouvir o que se passa dentro.

Voltei para trás. Passo-a-passo fui regressando ao pod. Estava doida para dar um mergulho de mar. Apercebi-me que a propriedade tem um caminho directo para a praia e lá fui eu. Chegar. Despir-me. Vestir maiô. Descer descalça para a praia. Volta a despir-me e entrar no mar. Estas ondas são diferentes. São cheias de si. Há uma parte muito wild nesta ilha. Muito de intocada. Como aliás, a natureza deveria estar. Aproximo-me com respeito. O calor de inverno no corpo. O prazer dos raios de sol de Janeiro. E eu sem me lembrar que era inverno. Entrei na água com convicção. Não fosse o mar engolir-me de contentação. Familiarizei-me com a areia negra. Observei a beleza inóspita. E senti-me em casa. Meditei tanto quando o frio me deixou. Enterrei-me na areia. E deixei-me estar. A matar saudades do que sou.

Subi para um banho quente. Aii delícias do mundo actual. Regressei ao pod e fiquei. Nas leituras de silêncio e de mim. Escrevi mais um pouco. É o que me sai quando estou comigo. Cada um com a sua arte. E eu sou feliz quando entrego de mim assim. Li mais um pouco. Descansei o que precisei e preparei-me para o fogo. Pois a lua cheia estava mesmo aí. Gosto de honrar a lua e a influência que tem em nós. Subi a rua às escuras para ir ao encontro das meninas que me esperavam para uma converseta. Entre conversas mundanas e outras mais profundas fui aprendendo com o mundo. De cada uma delas. Foi passando a sopa. O arroz que não comi. E o amor. Da partilha que senti.

A lua chamava. O fogo nos esperava lá fora. Fizemos uma versão de álcool e sal grosso. Nunca tal tinha visto assim. A lua imponente. As intenções de corte. E o meu coração contente. Por poder estar a deixar o que não interessa, de parte. Na taça que recebe o fogo o sal crepita. Estala. Estoira com o passado. Entrega-se o que foi e já não tem que ser. Corta-se com a identidade. Obsoleta. Abre-se espaço para o caminho novo. Visualiza-se o corte. E tudo o que fazemos tem que ser feito com porte.

O mar ao fundo batia. E batia também o meu coração para regressar. Os abraços não cabiam. No amor que tinha para lhes dar. Voltei a descer a rua com a liberdade que só a noite entrega. Naquele vazio desci crua. Só para do mar voltar a ficar perto.

Entro no pod para mais uma sessão de descanso. Gosto desta versão solidão. Do silêncio que existe, e do vazio que persiste. Mesmo quando a mente acha que não é boa a situação. A mente não sabe estar sozinha. Temos que a ensinar nós. Para que ela encontre o conforto na paz. E torne a paz. O seu mais querido lar. Observo em redor e só volto a ouvir mar. Embalam-me estes sons. E eu não quero mais acordar.

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